A NATUREZA APOSTÓLICA DOS DONS ESPIRITUAIS
DE I CORÍNTIOS 12
Prof. Moisés C. Bezerril
INTRODUÇÃO
(O presente trabalho tem o grego transliterado transliterado porque foi escrito para a igreja e pessoas que não conhecem a língua grega)
O assunto sobre os dons espirituais
ainda continua sendo um dos mais difíceis por falta de dados abundantes no Novo
Testamento sobre o assunto. Entende-se que, mesmo com pouca informação
escriturística, tudo o que temos é suficiente para não sermos abandonados nas
trevas do pentecostalismo antigo ou moderno, nem cometermos o sacrilégio de
tornar a verdade de Deus em mentira.
As páginas das Escrituras do Novo
Testamento deixaram muitas informações exegéticas preciosas sobre os dons
espirituais, que têm sido negligenciadas, ignoradas e pervertidas por homens
perversos que tentam substituir a revelação na Palavra por uma religião
puramente humana.
Este trabalho é o início de uma
jornada, ainda inacabada, na pesquisa bíblica sobre os dons da era apostólica.
Com humildade, quero mostrar que a tão
antiga “verdade pentecostal” ainda continua sem fundamento bíblico. Desejamos
de coração, que, ao ler essas poucas linhas, a igreja de Cristo se fortaleça
contra a mentira e toda a farsa de uma religião humana que tem se alastrado
pelo Brasil e pelo mundo, conduzindo vorazmente uma grande multidão ao erro e a
uma religião não bíblica.
O QUE É UM DOM APOSTÓLICO?
Dons apostólicos são dons dados por Deus a um grupo de indivíduos
que foram chamados para a atividade profética de receber a revelação da Nova
Aliança, transmití-la e inscriturá-la infalivelmente, sendo assistidos com credenciais
miraculosas para atestar como verdade os oráculos divinos para judeus e gentios
agora dentro de uma única Igreja. Na Nova Aliança Deus escolheu os ofícios de
apóstolo e profeta para lançar o fundamento canônico dessa aliança, (Ef 2:20;
3:5), e escolheu os espirituais (pessoas que tinham dons apostólicos sem
ofício) para revelar e ensinar os oráculos divinos infalivelmente,(I Co 12:
37). Para isso Deus deu dons de palavra para a comunicação da verdade revelada,
e dons de milagres para a atestação da verdade revelada. Esses dons de milagres
foram chamados também de credenciais apostólicas, (II Co 12:12). Com excessão
dos dons de “socorros” e “governos”, o restante da lista dos dons de I
Coríntios são dons apostólicos. Dessa
forma os dons espirituais apostólicos obedecem ao seguinte ordem:
DONS DE PALAVRA DE COMUNICAÇÃO
INDIRETA: dom inspirado para revelar idéias
e produzir Escritura. Esses são: sabedoria e conhecimento.
DONS DE PALAVRA DE COMUNICAÇÃO DIRETA:
dom inspirado de comunicação verbal para revelar palavras e produzir
Escritura. Esses dons são: profecia, línguas, interpretação de línguas,
discernimento de espírito.
DONS DE CREDENCIAIS: dom inspirado, que revela a certeza do
milagre, faz do crente um canal do poder miraculoso para realizar a vontade de Deus e atestar como verdade infalível a mensagem
apostólica entre judeus e gentios; não produz Escritura porque é
credencial da Escritura. Nessa classe
estão: dons de curar e operações de milagres.
I CORÍNTIOS 12:1
Acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes.
A expressão peri
ton pneumatikon (“acerca dos dons espirituais”)
tem o mesmo significado do capítulo 14:1.
O termo pneumatikon ( no
neutro) refere-se à natureza essencial dos dons (“ que pertence ao Espírito”);
enquanto o termo charismaton (12:4,
9, 30, 31) refere-se ao aspecto gratuito do dom, (ou seja, que é dado sem
merecimento). O apóstolo deseja que os
coríntios entendam a origem, a natureza, e o propósito das manifestações
extraordinárias do poder divino, e que possam distingui-los.
I CORÍNTIOS 12:2
Vós bem sabeis que éreis gentios, levados aos ídolos mudos, conforme éreis
guiados.
Embora
o NA27 adote “que quando”, a evidência
externa aponta para “sabeis que éreis gentios”. Paulo refere-se não ao tempo, e
sim ao fato. A melhor tradução do verso 2 é: “sabeis que éreis gentios guiados para os ídolos mudos como arrastados
(“prisioneiros” é o melhor sentido de apagomenoi).
O verbo apagô (“ser levado à força”,
“prisioneiro”) contrasta com as expressões dia
tou pneumatoi (v. 8)en to auto pneumati (v. 9), en
pneumati (v. 13), (pelo
Espírito). Antes os coríntios eram conduzidos por uma força irracional que
controlava o entendimento e a vontade; agora, eles são guiados pelo Espírito.
Isso indica que o apóstolo está fazendo uma clara distinção entre a
manifestação do Espírito e as manifestações pagãs ou misticismo irracional.
I CORÍNTIOS 12:3
Portanto, vos quero fazer
compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e
ninguém pode dizer que Jesus é o SENHOR, senão pelo Espírito Santo.
Com a
expressão en pneumati Paulo declara o critério da verdadeira
influência divina, (“pelo Espírito”, “através do Espírito”). Usando Anathema Iesous, Paulo refere-se à historicidade de Jesus (não o Cristo,
que é uma função), dizendo que a crença no Jesus real é obra do Espírito.i O mesmo se dá em relação à expressão kyrios Iesous ( termo grego da LXX para IAVÉ), expressão usada para
reconhecer Jesus como verdadeiro Deus, fato que só pode ocorrer pela obra do
Espírito de Deus. Com a expressão Anathema Iesous
e kyrios Iesous Paulo diz que ninguém pode reconhecer a
verdadeira humanidade e divindade de Jesus senão sob a influência do Espírito
Santo. Com a afirmação do verso 3, Paulo estabeleceu o critério para se
distinguir os que eram verdadeiramente instrumentos do Espírito Santo, e os que
falsamente pretendiam essa função.1
I CORÍNTIOS 12:4-6
Ora, há diversidade
de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o
Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera
tudo em todos
As
palavras charisma, diakonion, e energêmaton não são
substancialmente três classes de dons do Espírito, mas morficamente três
tipos da obra de Deus. Paulo enfatiza
aqui a unidade da operação divina. Essas operações são relacionadas com cada
membro da Trindade, o que significa “que o mesmo Deus e Pai que, havendo
exaltado o Senhor Jesus à primazia da Igreja, e enviado o Espírito Santo, opera
todos estes feitos na alma dos homens”.2
As palavras “dons”, “serviços” e “realizações”
significam a totalidade de tudo o que Deus opera por meio do seu Espírito.
Podemos dizer que não há distinção de classes de dons em 4 – 6, e sim que todos
os dons estão numa única lista em
I Co 12: 8 – 10, intitulados como “dons espirituais”. O que
pode ser observado é que esses dons espirituais, em relação ao Espírito, são
chamados de “dons”; em relação ao Filho, é chamado de “serviços”, e em relação
ao Pai, é chamado de “realizações”.
O termo grego synferon não deve ser traduzido por “edificação”, e sim “proveito”, pois
Paulo engloba na sua lista de dons que
não foram dados para edificar, e sim para ajudar, liderar, e atestar, como é o
caso de “socorros”, “governos”, e “milagres”. A única classificação dos dons
espirituais em todo o NT está em
I Pedro 4:10, onde o apóstolo fala de dons de “fala”, ou
palavra, e dons de “serviço”, ou seja, a divisão e classificação dos dons é somente quanto ao objetivo da graça: edificar e servir. No verso 11, Paulo
enfatiza o caráter soberano da manifestação desses dons acima listados, como
sendo uma realização de Deus (energuei) que tem em vista seu próprio
interesse (bouletai “quer para si”).
OS DONS DA LISTA DE 1 CORÍNTIOS
I CORÍNTIOS 12:8-11
Porque a um pelo Espírito
é dada a palavra da sabedoria; e a
outro, pelo mesmo Espírito, a palavra de conhecimento; E a outro, pelo mesmo
Espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo Espírito, os dons de curar; E a outro a
operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir
os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretação das línguas. Mas um só e o mesmo Espírito
opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer.
Primeiro dom:
Palavra de sabedoria (logo sofia)
A
expressão logo sofia só ocorre neste
local, e encabeça a lista dos dons, assim como “apóstolo” encabeça a segunda
lista no v. 28. É possível que Paulo esteja associando em grau de importância
“palavra de sabedoria” com apóstolo e profeta.3 Isso quer dizer
que o dom de sabedoria sempre pertencia a um apóstolo ou profeta. O termo sofia é empregado por Paulo em suas espístolas para definir “os mistérios do
evangelho”, “coisas ocultas” (ên
apokekrummenên – “a ocultada”) 1 Coríntios 2:7;
em outras palavras, o dom de sabedoria era um dom destinado à explicação da consumação do plano redentor na Nova Aliança
numa época em que ainda não havia o cânon do Novo Testamento. As verdades
centrais do evangelho que Cristo havia prometido aos discípulos que seriam
dadas pelo Espírito após sua ascensão ( Jo 16:12-13), eram dadas à igreja por
meio do Espírito aos apóstolos e profetas do Novo Testamento. Devemos lembrar
que a igreja da era apostólica passou praticamente cem anos com a pregação de
uma verdade inspirada e infalível do grande mistério de Deus sem as Escrituras
do Novo Testamento; essas coisas que antes estavam escondidas, agora estavam sendo reveladas em forma de
doutrina, mas não estavam escrituradas ainda. Como a igreja poderia ter uma sola scriptura sem as Escrituras do
Novo Testamento? Essas verdades teriam que ser pregadas sem as Escrituras, mas
deveriam ser, por natureza, inspiradas,
levando-se em conta que Deus nunca guiou seu povo sem que fosse por uma palavra
inspirada, inerrante, e autoritativa. Como essas verdades eram ocultas ainda
daquela geração, a única maneira dessa sabedoria se
tornar presente era por meio da revelação (Ef 3:5), o que Deus fez por meio de
seus apóstolos e profetas, implicando num dom espiritual inspirado.
A grande importância desse dom para a igreja apostólica era o fato
de que, depois da morte de Cristo, era necessário que essa morte fosse
interpretada como a morte redentiva do Salvador do mundo; era necessário que
fosse dada sabedoria aos apóstolos e profetas para interpretar a redenção nos
moldes do que temos hoje nas epístolas e escritos do Novo Testamento. Isso significa
que a igreja primitiva tinha que conviver com as mesmas verdades divinas que
convivemos hoje no Novo Testamento; como eles não tinham as Escrituras do Novo
Testamento, tinham os apóstolos e profetas, a quem era dado a revelação para
expor a “sabedoria” que outrora estava oculta. Enquanto hoje temos toda a
história e interpretação do mistério de Cristo escritos, nossos irmãos
primitivos tinham o dom de sabedoria
pra conhecer tudo sobre Cristo que conhecemos hoje nas páginas do Novo
Testamento.
Palavra de conhecimento (logos guinoseôs)
Podemos dizer que o dom da ciência ou palavra de conhecimento era
um dom produto da profecia (13:2), sempre citado entre os dons revelacionais
voltados para a instrução e edificação (14:6), e que cessaria com o término dos
dons revelacionais como línguas e profecias (13:8). Ora é citado como
instrumento de revelação (14:6), ora é citado como o próprio conteúdo da
revelação (13:2). Para Charles Hodge4 a
“palavra de conhecimento” era o dom dos mestres do NT. Ele define esse dom como
sendo o dom de “entender corretamente e apresentar apropriadamente as verdades
reveladas pelos apóstolos e profetas”.5 É
possível que tal dom seja a capacidade dada pelo Espírito aos mestres que
deveriam ensinar a Igreja numa época em que o NT ainda não tinha sido escrito,
e esses mestres dependiam da palavra revelada, o que compunha o conteúdo da
tradição apostólica em forma oral. A palavra de conhecimento seria, certamente,
compreender a profecia dada ao profeta (o profeta não necessariamente não
deveria entendê-la), inseri-la num grande arcabouço doutrinário orgânico,
lógico, e coeso com todas as outras verdades já reveladas, interpretando-a em
harmonia com toda a tradição apostólica. O dom de conhecimento era a capacidade
espiritual de ensinar autoritativa e infalivelmente
as verdades recém reveladas aos
apóstolos e
profetas, para suprir as mesmas necessidades espirituais que hoje existem na
Igreja moderna, e que são supridas com as Escrituras do Novo Testamento sobre
as questões da Nova Aliança. É o dom de
entender a revelação ainda sem um corpo pronto (ou seja, o Cânon), e ainda
assim interpretá-la em conexão com as outras partes desse corpo, sem
contradição, correlacionando-a com verdades ainda vindouras e com as outras
partes do cânon que viriam. A palavra de conhecimento era compreender a profecia
em uma amplitude maior, mais profunda, e interligada com toda a verdade
autoritativa da Nova Aliança, aptidão essa que o profeta não tinha. É possível
compreender o dom de conhecimento como “um cânon ambulante” das Escrituras do
Novo Testamento enquanto as partes (evangelhos e epístolas estavam sendo
escritos). Mesmo sem um cânon escriturado, os crentes primitivos tinham,
através dos mestres, acesso às mesmas verdades escrituradas que temos hoje.
Fé (pistis)
A Fé nesta lista não pode ser a fé salvadora, visto que esse dom
só é dado a alguns (1 Co 12:9). Este dom aparece significativamente distinto
dos outros empregos da fé apenas em Mt 17:19, 20 e 1 Co 13:2. Nestes textos a
palavra fé está relacionada com feitos milagrosos. Mesmo que já tenha sido
listado o dom de “operação de milagres”, a fé é listada como um dom distinto (a outro é dada fé). É possível que em 1
Co 13:2, Paulo esteja se referindo às palavras de Jesus de Mt 17:19, 20. Distintamente
do dom de operação de milagres, o dom da fé tem a ver com “uma convicção de
algo que vai acontecer, a fim de ser dada uma ordem para que esse algo aconteça
(Mt 17:19, 20). Juntamente com os outros dons milagrosos, o dom da fé é um dom
revelacional. A convicção do fato é obtida por meio de uma certeza revelada.
Isto condiz com o entendimento do dom espiritual como sendo uma “operação de
Deus” (energêmaton), (12:6). A fé milagrosa não é um dom exercido quando os
homens querem, e sim quando Deus quer operar. Esta característica torna o dom
da fé um dom dos feitos do Espírito, sendo, portanto, um dom inspirado (certo e
eficaz). Foi usado na era apostólica para confirmar e dar credenciais aos atos
e à doutrina apostólica como oráculo divino da Nova Aliança.
Dons de curar (Charismata iamatôn)
Primeiramente,
devemos entender este dom como sendo o mesmo dom encontrado nos dias da igreja
primitiva de Atos 4:30. O contexto deste dom é muito distinto dos dias atuais,
pois o contexto das curas no NT sempre era de uma igreja que necessitava de “curas, sinais e
prodígios” para autenticar a
universalização do Pacto abraâmico (pacto da graça) no mundo gentílico.
O mundo judeu e o mundo gentílico careciam de provas irrefutáveis de que a Nova
Aliança, era, de fato, a ampliação dessa aliança abraâmica, o que só poderia
acontecer se houvesse uma confirmação miraculosa. Era necessário um elemento
ratificador irrefutável, autêntico, infalível, e autoritativo, que convencesse
o mundo desses dois povos de que Deus estava expandindo sua graça sobre todos
os povos da terra. Isto faria com que a mensagem apostólica fosse tida como
verdade credenciada pela vontade divina, e fosse acreditada por judeus e
gentios como a Nova Aliança. Essa idéia confere com o que Paulo pensa em II Coríntios 12:12,
onde o termo “credenciais” da ARA é a tradução do termo grego sêmeion “sinal”. A cura era um dom miraculoso
subentendido no termo grego dynamesin (ato poderoso),
como sinal do apostolado. O que devemos entender por apostolado? A resposta é:
o ofício dado sobrenaturalmente por Deus a homens com a missão de autenticar a
Nova Aliança numa época em que ainda estava acontecendo a revelação da referida aliança. O apostolado produziu o fundamento
teológico da igreja (Ef 2.20).
A grande diferença
entre o dom de cura do Novo Testamento e o pretenso dom de cura moderno é o
seguinte: 1) o dom de cura dos dias apostólicos era infalível - os apóstolos não falharam em nenhuma cura, o dom
moderno falha todos os dias; 2) era
revelacional - eles sabiam que a cura funcionaria porque tinha sido
revelada tal cura; 3) era feita por uma
ordem ou palavra - não era feito por meio de oração, “campanhas”, ou “correntes”; 4) era pública - sempre realizada nas ruas
diante do público, não feita dentro de ambientes fechados; 5) cada cura estava dentro de um fato
histórico que ficaria registrado para testemunho às nações - não um fato
corriqueiro como é hoje; 6) o dom de
cura era direcionado à pouquíssimas pessoas - não às multidões; 7) os apóstolos curaram muito pouco - pois
a missão e o ministério deles não era a cura de enfermos; 8) havia o dom de cura e não ministério de cura - os apóstolos
nunca divulgaram um pretenso ministério de cura, porque só há um ministério: o
da Palavra); 9) era credencial apostólica - pertencia apenas aos apóstolos, aos
seus auxiliares, e aos espirituais portadores do dom, esses que estavam
participando da ratificação da Nova Aliança naquela época; 10) era
esporádica - acontecia só quando precisava-se de testemunho da Nova Aliança
entre os pagãos e judeus incrédulos, não existindo nenhum registro de campanhas
de curas realizadas pelos apóstolos; 11) os
enfermos não eram convidados – os apóstolos iam até eles; 12) na cura dos
dias apostólicos o nome de Jesus era
glorificado – nos dias modernos o nome de Cristo é envergonhado todos os
dias,pois os curadores falham muitíssimo em suas pretensas curas, jogando a
culpa na falta de fé dos fiéis seguidores; 13) o dom de cura apostólico tinha o caráter de inspiração divina, pois
acreditamos nele sem provas empíricas – no dom moderno é preciso acreditar em
pessoas mentirosas, errantes, e não inspiradas que afirmam curas que não se
pode averiguar; 14) o dom apostólico era direcionado para
problemas crônicos de saúde - as curas modernas são sempre de problemas
superficiais e temporários, (dores diversas, problemas circunstanciais de saúde,
sendo, na maioria das vezes, problemas
que se resolve no médico ou com remédios analgésicos); 15) o dom de cura não foi dado para evangelizar – não existe ordem de
Deus para a cura ser um dom evangelizador, pois os apóstolos sempre pregavam o
evangelho depois da cura, além do que algumas pessoas curadas não foram salvas.
Operações de Milagres (energemata
dynameon )
O dom de
milagres é um dom de credencial apostólica assim como o dom
de cura (II Co 12:12). Diferentemente do dom de cura, que era mais específico
(para enfermidades), o dom de milagres abrangia muitos feitos poderosos, nos
quais o poder de Deus era confirmado. Se o apóstolo Paulo o usou como argumento
para referendar seu ofício apostólico, logo, podemos entender que este dom era
mais um dom voltado para ratificar a revelação da Nova Aliança por meio dos
sinais e maravilhas apostólicos. Se o dom era uma credencial apostólica, a quem
pertencia? Possivelmente só aos discípulos da escola apostólica.6 Exemplos de milagres podem ser vistos em Atos,
mas sempre imediatamente relacionados
com os apóstolos: a morte de Ananias (Pedro), a ressurreição de Dorcas (Paulo),
a cegueira de Elimas (Paulo).
Quem mais
participou desse dom? Os falsos profetas também realizaram milagres (dynamei, Mt
7.22), pelos quais receberam a condenação deles, pois tais milagres não eram da
vontade de Deus (Mt 7.21), e não estavam relacionados com a história da
redenção, como os modernos milagres. Os falsos profetas dos dias de Jesus eram
religiosos que afirmavam o senhorio de Cristo (“Senhor, Senhor”), mas estavam
reivindicando credenciais apostólicas que não tinham o objetivo de ratificar a
Nova Aliança; seus milagres tinham um fim particular, voltado para seus
próprios interesses, como fazem hoje os milagreiros modernos (Mt 7.22). Como
pois poderíamos explicar a autenticidade desses milagres? Ora, os milagres de
Mateus 7:22 eram fato, os milagres aconteciam, mas não tinham o devido fim para
o qual Deus os destinou, que era testificar a veracidade da revelação da
Palavra de Deus que estava acontecendo naqueles dias. Se o verdadeiro propósito
não estava presente naquele exercício dos dons de milagres, então os
milagreiros usavam para si mesmos, o que é altamente pecaminoso, pois todo
milagreiro rouba a glória de Deus para si; o pecado pelo qual os pastores
curandeiros serão condenados será o de roubar a glória de Deus, e fazer o povo
acreditar que eles são poderosos como Deus. Não é por acaso que todo milagreiro
é famoso e suas igrejas possuem nomes que requerem para si grandiosidade,
imponência e majestade, como Igreja
Universal, Igreja Mundial, Igreja internacional; não vai demorar a
aparecer a igreja cósmica, igreja galáctica, e intergaláctica; seus
pastores também só querem ser grandes e imponentes, pois chamam a si mesmos de bispos, e apóstolos, e igualmente ao Papa de Roma, se estabelecem como
figuras teocráticas, autoritárias e totalitárias sobre todas as igrejas e
subalternos de suas seitas. Toda essa ganância e aquisição de poder são
produtos do falso dom de operação de maravilhas encontrados hoje em vários
canais de televisão, e em cada salão milagreiro encontrados pela cidade. Como
tais milagres não servem mais aos propósitos da Nova Aliança,eles servem para
condenar seus portadores, e enganar e arrastar os não predestinados para a
condenação final, (Mt 7:23).
Profecia (profêtéia)
A profecia não é pregação,
pois se fosse, seria um dom igual ao de mestre ou pastor. Paulo nos adverte em I Co 12.4 que “os dons são
diversos”, portanto profecia não pode ser igual ao dom de pastor ou mestre.
Ainda em 14.6 (...se vos não falar por meio de revelação, conhecimento, ou profecia, ou
ensino) a profecia é distinta de conhecimento e ensino, os quais são
elementos primordiais da pregação. Isso acontece porque a pregação é planejada
(adquire-se conhecimento) e executada (ensina-se), enquanto que a profecia é
dada inesperadamente pela vontade de Deus e não do homem (I Co 14.29-32). A
profecia é dada por meio de revelação (I Co 14.29,30), a pregação é por
iluminação.
As mulheres foram proibidas
de falar na igreja (I Co 14.34,35), mas podiam profetizar (I Co 11.5). Parece
contraditório, pois quem profetiza fala. Contudo a proibição do apóstolo é com
respeito ao ensino (I Tm 2.12). Logo,
a profecia não pode ser igual ao ensino, pois seriam proibidas também de
profetizar. Na verdade, ensinar é o exercício da autoridade humana, enquanto a
profecia é o exercício da autoridade divina. Quando as mulheres profetizavam
quem estava falando era Deus; quando os homens ensinam, são eles que,
autoritativamente, falam à igreja.
Uma outra característica da profecia é o conhecimento
de mistério (I Co 13.2). Os termos excludentes mysterion e apokalyptô são usados por Paulo em Ef 3.4,5, onde os termos
“profecia” e “profetas” estão relacionados com a revelação do mistério. Essa é
a teologia paulina da profecia; a profecia
é o conhecimento da revelação de um mistério que estava oculto e agora é
falado.
Paulo aguardava uma cessação da profecia ainda em seus
dias, pois ele se incluiu no processo parcial da profecia de seu tempo: “em
parte conhecemos, e em parte
profetizamos”. O “perfeito” de I Co 13.10 não é a segunda vinda de
Cristo, pois Paulo nunca usa esse termo para a vinda de Cristo, e sim “a vinda
do Senhor”, ou “o Senhor na sua vinda”. Ainda vale salientar que, o apóstolo
não usa o termo teleion em seus escritos para escatologia, e sim para maturidade.
Também, o apóstolo não teria dificuldade de chamar “a vinda do Senhor” em I Co 13.10, se esse texto
fosse escatológico. Não há nenhuma evidência exegética para considerar o texto
de I Co 13.8-13 como escatológico. O tema predominante ali é a maturidade ou perfeição da profecia. A profecia perfeita não dependeria mais de
profetas que revelavam verdades parcialmente. Paulo tinha consciência de um
cânon que haveria de se formar com a profecia perfeita. Como um bom judeu,
Paulo convivia com o cânon do AT, e entendia que a Nova Aliança era para os
gentios e judeus da sua época o que a Antiga Aliança foi para Israel. O
processo revelatório culminaria numa extinção do profetismo parcial, dando
lugar à profecia perfeita (ou teleion). Paulo imaginava que fazia
parte do estágio final desse processo ao afirmar: “em parte conhecemos, e em parte profetizamos, quando vier o perfeito,
então o que é em parte será extinto”. Ora, se o que será extinto é em
parte, então a profecia e o conhecimento parciais darão lugar à profecia e ao
conhecimento completo. O que Paulo chama de “em parte” é a profecia e o conhecimento
da era apostólica, os quais dependiam das revelações proféticas. Como haviam
profetas e apóstolos espalhados por toda Ásia, profetizando e revelando
conhecimentos do evangelho, cada um profetizava pedaços da revelação. Paulo revelou
partes do conhecimento, Pedro detinha outra parte na mesma época, Judas, Tiago,
João, e o profeta de Hebreus, participavam do mesmo processo. Lembremos que
nessa época o Novo Testamento ainda era em
parte. O fenômeno profético se encerraria depois que Deus revelasse toda a
sua vontade e a escrevesse nas páginas do Novo Testamento. Esse é o teleion paulino.
Toda a doutrina do Novo
Testamento era conhecido dos apóstolos e
da igreja apostólica apenas em pedaços (em
parte). Pedro, possivelmente, conheceu alguns escritos de Paulo, mas talvez
não tenha conhecido os escritos de João ou de Judas. E assim sucessivamente.
Como os apóstolos conheceram e entendiam o processo revelatório do AT,
certamente, tinham consciência e aguardavam a fase final do mesmo processo para
a Nova Aliança, quando a Igreja conheceria toda a verdade revelada pelos
apóstolos e profetas do NT( Ef 2:20; 3:5). Essa revelação final e escriturada é
o perfeito de I Co 13.10.
Na literatura paulina,
profeta era ofício tanto quanto apóstolo (I Co 12.28). Há quem diga que a
expressão “apóstolos e profetas” de Efésios 2:20 aplica-se ao mesmo grupo, ou
seja, “apóstolos que são profetas”. Mas esta interpretação está errada porque
Paulo faz distinção das duas classes de dons(I Co 12:28, 29; Ef 4:11), como
ofícios distintos. Um outro argumento seria que profeta não poderia ser ofício
porque está junto com outros dons que não ao ofícios (curar, falar línguas);
mas esse argumento não é válido porque o ofício de apóstolo está na mesma lista
também. O que mais importa é que em I Coríntios 14:37 os que profetizam são
considerados profetas, e os que
exercem outros dons são chamados de espirituais
(aqueles por meio de quem o Espírito agia sem ofício). Isto é confirmado em
Ef 2.20 e 3.5, quando Paulo cita os ofícios de apóstolo e profeta como sendo
responsáveis por lançar o fundamento da fé da Nova Aliança. Sendo Paulo judeu,
a sua visão de profecia é a mesma judaica. Não há no NT diferença de níveis de
profecia. Assim Paulo destaca a profecia como ofício, diferenciando-a dos dons em I Co 14.37, quando fala de
dois tipos de atividade do Espírito: se alguém se considera profeta (profetên, ofício), ou espiritual (pneumatikon, dons). Os últimos são
aqueles que exercem dons sem ofício, e os primeiros exercem o ofício de
profeta.
Discernimento de Espírito (diakrisein pneumatôn)
A palavra diakrisei (julgar,
discernir, distinguir) encontra-se em apenas 03 versos do NT, (Rm 14.1; I Co
12.10: Hb 5.14). Nesses textos o sentido é sempre de “distinguir”, “fazer
separação”. Contudo, a palavra mais importante para se entender o dom de
“discernimento de espírito” é pneunatôn. Nos versos 8, 9, e 10 de I Co
12 a expressão diakrisei pneunatôn está
entre os dons de palavra, de comunicação direta revelada. Em I Jo 4.1, o termo pneumata está relacionado com profecia, concordando com a mesma
idéia de Paulo, que usa o termo pneunatôn
no grupo dos dons proféticos. O termo pneunatôn,
na verdade, é sinônimo de profecia. O dom de discernimento de espírito tem a
ver com “inspiração”. Como a profecia era revelada, autoritativa, e inspirada,
Deus deu um dom da mesma natureza do dom profético para julgar os pretensos pneumatikoi de Corinto. Somente um dom profético pode julgar outro
dom profético. Ao povo comum não foi dado julgar profecias, mas somente àqueles
que tinham o dom profético de discernimento de espírito. Como o caráter da
profecia é de trazer revelação de mistério (I Co 13.2), um crente comum nunca
seria apto para identificar a inspiração do profeta e de sua profecia porque ninguém
conhecia o mistério. Somente o dom profético de discernimento seria capaz de
identificar os falsários da revelação. A razão da existência desse dom era a
novidade da revelação dos princípios e mistérios da Nova Aliança que ainda
estavam sendo dados para formar o corpo da doutrina neotestamentária ou
fundamento apostólico. A igreja ainda não conhecia esses mistérios, portanto
não tendo tal conhecimento, os crentes comuns não teriam como julgar a
revelação que ainda estava sendo dada em caráter de novidade. Por tratar-se de
um dom profético, possivelmente esse dom era dado aos profetas exclusivamente.
Se aos profetas foi dado o mérito de decidir a ordem de quem profetizaria
primeiro (I Co 14.31), é possível que só os profetas pudessem julgar os pretensos
profetas inspirados naquela época. A menos que existisse um dom profético para
revelar a falsidade de uma suposta profecia ou mistério, toda a igreja seria
enganada. Essa foi a época da formação dos livros apócrifos e pseudoepígrafos
que reivindicavam inspiração. O exercício do dom de discernimento era
aplicável, exatamente, para não permitir que houvesse na igreja apostólica várias
fontes de doutrina supostamente revelada, reivindicando igualdade no corpo dos
escritos apostólicos do Novo Testamento.
Variedade de Línguas (gene glossôn)
Nos versos 10 e 28, o nome do dom é “variedade de línguas” (genê – espécies, variedade, gêneros). O
termo “variedade” aponta para uma idéia de distinção. As línguas eram distintas
porque eram idiomas falados que podiam ser diferenciados.
AS LÍNGUAS
NEOTESTAMENTÁRIAS ERAM REVELACIONAIS E ESTAVAM RELACIONADAS COM O PROCESSO DE
ESCRITURAÇÃO DA DOUTRINA DO NOVO TESTAMENTO
PRIMEIRA
PROVA: Era um dom entre os dons revelacionais.
A inclusão do dom de línguas no grupo dos dons que
cessariam (I Co 13.8) constitui clara evidência que as línguas faziam parte dos
dons revelatórios, pois os únicos dons previstos para cessação são os dons
voltados para o aperfeiçoamento da doutrina da Nova Aliança. Em I Co 13.8, Paulo resume a cessação desses
dons em três palavras distintas: profecia
(que encerra o apostolado, o profetismo, curas, milagres e discernimento de
espírito), línguas (encerrando-se o
dom de línguas e interpretação de línguas) e ciência (que encerra o conhecimento e a sabedoria da era apostólica por meio extraordinário). Como
esses dons tinham a função de revelar a verdade autoritativa e inspirada para a
igreja de todos os tempos, bem como eram dons que na era apostólica traziam a
verdade parcialmente (I Co 13.9), podemos concluir que depois de completada a
revelação do NT, tais dons cessariam (I Co 13.8).
SEGUNDA
PROVA – Era um dom de conteúdo
doutrinário
Supondo agora, irmãos, que eu vá ter convosco, falando
em línguas: como vos serei útil, se a minha palavra não vos levar nem
revelação, nem ciência, nem profecia, nem ensinamento?
Com
esta tradução em mente, as línguas consistiam de um dom de conteúdo
doutrinário. Uma outra prova disso, é o emprego que Paulo faz do termo
“edificar” (oikodomeô), o qual só é empregado quando alguma coisa é
acrescentada à mente (compare I Co 14.4,5 com 14.14,15). As línguas, portanto,
deveriam edificar, ou seja, trazer conteúdo inteligível à mente (I Co 14.19).
TERCEIRA PROVA – Era um dom
semelhante à profecia
O
dom de línguas não é inferior à profecia; esse dom
quando interpretado tem o mesmo valor de profecia (I Co 14.5). Se as línguas
correspondem à profecia, esse dom deveria ser de natureza inspirada. Isso pode
ser percebido na primeira referência ao dom em Atos 2.4, onde o termo apofthegomai é empregado
para a fala inspirada. Com este termo, Pedro deu total ênfase na idéia de que
línguas consistia na “fala do Espírito” ( to pneuma edidou
apofthegomai autoi). Esta
expressão é correlata das afirmações proféticas do Antigo Testamento “Assim diz o Senhor”. Dessa forma,
línguas consistem numa manifestação
profética na qual Deus fala ao homem.
QUARTA PROVA – Era
um dom de revelar mistério
Seria o
dom de línguas um dom para falar mistérios com Deus? O que Paulo quer dizer em I Co 14.2-4?
O dom de línguas não foi dado para uso particular (esse é o
argumento do apóstolo em todo o capítulo 14), pois os dons foram dados com
vistas à edificação da igreja. Paulo fala da natureza das línguas, que
naturalmente, Deus entende, mas o homem necessita de intérprete. Em I Co 14.2, a expressão
“porque em espírito fala mistério”
corresponde a uma má tradução das nossas Bíblias.8 O
dom de línguas não é um exercício do espírito humano, mas uma atividade divina
do Espírito Santo no homem (At 2.4: “passaram a falar em outras línguas,
conforme o Espírito dava o que falar”).
A palavra mysterion (mistério) é a
chave para entender o termo pneumati como o
“Espírito de Deus”, pois falar mistérios é uma atividade divina (At 2.11).
Alguns argumentam que o termo mistério é empregado para referir-se ao fato das
línguas não serem compreendidas, tornando-se, assim, “um mistério” para quem
ouve. Mas Paulo não afirma “falar em
mistério”, e sim “falar mistério”, o que pode ser muito bem entendido à luz de
Atos2.11, como “falar as grandezas de Deus” que estavam ocultas. A expressão
“falar mistério” corresponde a falar o que estava oculto, e não falar em
oculto, pois dessa forma, o dom de línguas não serviria para a igreja. O termo mysterion sempre está relacionado com a
história da redenção (Ef 3:4-7) e com os dons
proféticos nos três capítulos sobre dons espirituais, e nunca relacionado ao
modo ininteligível de se receber uma informação, (I Co 13:2).
É
importante lembrar que o dom de línguas consiste num dos assuntos mais difíceis
do Novo Testamento, e que além disso, nossas traduções não ajudam, ao inserirem palavras que desvirtuam o
verdadeiro sentido do texto.9
Interpretação das Línguas (hermeneia glossôn)
Para uma
boa definição desse dom, é necessário uma boa compreensão da natureza do dom de
línguas. Primeiramente, é mister deixar claro que as línguas de Marcos (novas línguas), bem como as de Atos e as
de I Coríntios são exatamente o mesmo dom. O uso indiscriminado de glossôn por dialektos em Atos 2 é clara evidência de que os apóstolos
entendiam “línguas” como idiomas inteligíveis falados por nações gentílicas. Em
nenhum momento as Escrituras do Novo Testamento fazem uso do termo glossa para designar línguas estranhas ao homem, como querem os pentecostais
de nosso tempo.
O dom da
interpretação (hermeneia) era um dom
empregado para traduzir construções sintáticas de um outro idioma não conhecido
pela assembléia. Tal dom era distinto do dom de línguas, pois também fazia
parte das duas listas de I Coríntios. O dom de interpretação era um dom
miraculoso, que acontecia sob a influência do Espírito.
Se um homem podia falar um idioma estrangeiro, por que
ele mesmo não podia interpretar? Simplesmente, porque não era seu dom. O que
dizia em língua estrangeira o dizia debaixo da direção do Espírito (At 2.4); se
houvesse tratado de interpretar sem o dom de interpretação, teria falado ele
mesmo, e não como o Espírito dava o que falar.10
Como muito bem coloca Hodge,
o dom de interpretação não era inerente ao dom de línguas, visto que era
necessário que houvesse alguém com o dom de interpretar, ou o que falava
línguas buscasse socorro divino para que houvesse interpretação (I Co 14.13).
Se o falante não tem a tradução consciente simultânea, como qualquer pessoa que
fale uma língua aprendida, é porque o falar das línguas não é um falar do
homem, e sim do Espírito. Se for necessária uma assistência externa ou mesmo
separada do dom de línguas para que haja interpretação, entende-se, pois, que a
interpretação das línguas consiste numa manifestação divina e miraculosa do
Espírito (I Co 12.11), em dar o entendimento do significado de palavras em um
idioma nunca estudado. Se o que fala em línguas, o faz sem haver aprendido, o
que traduz também o faz sob a direção do Espírito, sem nunca ter conhecido a
língua.
O termo grego diermeneuô(interpretação)nunca pode ser aplicado àquilo que não faz sentido.
Uma prova de que as línguas interpretadas eram idiomas sintaticamente
perfeitos, é que no livro de Atos não houve interpretação das línguas faladas
em Atos 2,10,19, e ainda assim, houve compreensão dos tais idiomas por muitos
estrangeiros. Também é interessante notar, que as línguas de Atos 2 não foram
compreendidas por todos (At 2.13). O dom de interpretação consistia, no
exercício do Juízo divino, já ensinado por Jesus em Mt 13.10-12, que tinha o
mesmo objetivo de falar por parábolas. Todos aqueles que não entendem a verdade
de Deus, foram excluídos da graça. Em Atos, o dom de interpretação não está
presente porque Deus tinha o propósito de excluir indivíduos no grande
conglomerado de nações. Já em
I Coríntios o dom de interpretação se faz presente porque se
trata da comunidade dos santos (I Co 1.2), local onde se encontram os já
selecionados pela graça. Sendo assim, as línguas não podiam ser exercidas sem
interpretação, pois se isso acontecesse, significaria que a comunidade que não
compreendesse o que foi dito estaria sendo excluída da graça. Esta é a razão
pela qual Paulo diz que as línguas são um sinal para os incrédulos (I Co
14.22), pois só os incrédulos não compreendem as grandezas de Deus.
Há ainda
uma dificuldade com I Co 14:4 (“o que
fala em outra língua a si mesmo se edifica...”). Se era necessário a
presença de um intérprete, como poderia alguém usando o dom de línguas edificar
a si mesmo sozinho? A resposta a esta pergunta é que possivelmente Deus dava o
dom de interpretação também às pessoas que falavam línguas, (I Co 14:13). O
erro que estava ocorrendo na igreja de Corinto era que esse espirituais que
tinham o dom de línguas e podiam interpretá-las, estavam guardando a doutrina
revelada só para si; essa postura foi veementemente reprovada pelo apóstolo
Paulo.
I CORÍNTIOS 12:28
“A uns
estabeleceu Deus na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar
profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, operadores de milagres; depois,
dons de curar, socorros,
governos, variedade de línguas.”
Socorros
(antilempseis)
A palavra antilempseis ocorre
apenas uma vez em todo o Novo Testamento, sendo importada da LXX para o NT com
o significado de auxílio de Deus ou dos homens; seu sentido básico é “auxílio”,
“assistência”, “ajuda”, “socorro”.
O dom de socorro não aparece na
primeira lista e sim na segunda do capítulo 12. É curioso que ninguém mais nas
escrituras do Novo Testamento emprega este termo. Nem mesmo Paulo o usa em
outros lugares. Mas isto não torna esse dom menos importante do que os outros
dons, pois ele é de vital importância para a vida da igreja.
A vida da igreja cristã, no primeiro
século, é marcada por muita perseguição imposta pelo judaísmo, e depois pelo
Império Romano. Os apóstolos e os líderes da igreja tinham a incumbência de
gastar tempo apenas com a Palavra. Mas uma igreja perseguida é uma igreja
marcada por profundas necessidades. Essas necessidades não eram coisas simples
que todos podiam resolver conjuntamente. Como ainda hoje, somente uns poucos se
interessavam pelas necessidades dos outros. Nesse contexto Deus não deixou sua
igreja órfã de sua misericórdia e cuidado; levantou e vocacionou pessoas, por
meio de seu Espírito, as quais gastavam suas vidas cuidando dos crentes
semi-mortos da perseguição, de viúvas que perderam seus maridos e seu sustento;
esses diáconos adotavam filhos que perderam seus pais, dando comida e abrigo
aos mais empobrecidos pela ira dos inimigos de Cristo. Também tornaram-se
cuidadores das mulheres cristãs abandonadas
por seus maridos pagãos. Essa vocação
era obra do Espírito porque eles viveram numa época em que tinham de ser
audaciosos e muito corajosos para se envolver em causas judiciais do império,
sofrendo perseguições e correndo risco de morte. Dar guarida a um “criminoso”
ou “fora da lei” (como eram considerados os cristãos do primeiro século pelo
império) era apoiar a rebeldia contra o poder de Roma. Ninguém teria coragem de
arriscar diariamente a própria vida por outra pessoa, a não ser se fosse pelo
Espírito de Deus. Graças a esse dom os apóstolos foram preservados em suas
vidas várias vezes. Assim foram os diáconos da igreja primitiva. O dom de
socorros foi exercido pelo ofício do diaconato desde os dias apostólicos (At
6), e essa tem sido a melhor interpretação desse dom desde Crisóstomo.
Governos
(kiberneseis)
A palavra kiberneseis é uma palavra raríssima na literatura do Novo
Testamento, também originária da literatura da LXX. O substantivo era muito
usado na literatura clássica para o piloto
do navio, seu verbo era comum para a administração
e o governo de uma casa.
O dom de governo não é
tratado em nenhum outro lugar, a não ser nesta referência. Este dom é claramente
distinto do dom de ensino (“palavra de conhecimento” ou “mestres”), também
distinto do pastorado. Paulo poderia estar falando de presbíteros regentes, mas
não há muitas provas para isto. Em I Tessalonicesnses 5:12 há alusão aos que
“presidem”, mas esses são os mesmos que admoestam (nouthentais),
possivelmente é o bispo de I Tm 3.
Há quem interprete I Tessalonicenses
5:17 como sendo dois tipos de presbíteros (docente e regente), mas o texto não
dá segurança para isto por dois motivos:
a) governar bem e ensinar são dois pré-requisitos
que devem ser encontrados no bispo de I Timóteo 3, possivelmente em 5:17 Paulo
esteja falando da mesma pessoa;
b) a expressão paulina kalôs proistamenon(que
governem bem) configura
igualmente em I Timóteo 3:4 (para os bispos), 3:12 (para os diáconos), e 5:17
(para os presbíteros), designando apenas um bom governo ou uma boa
liderança;
c) tendo em vista o emprego acima citado,
expressão kalôs proistamenon não pode ser empregada para classe de
presbíteros, e sim para a qualidade de presbítero de governar bem;
Como o dom de governo está calaramente
distinto do dom de ensino tanto em I Coríntios como em Efésios, Paulo certamente
está aplicando kiberneseis a uma
classe de oficiais distinta da dos doutores da igreja. Essa parece ser o melhor
argumento para a idéia de um presbítero regente das igrejas reformadas, o qual
era conhecido na igreja antiga de seniores plebis.
Teresina, 08 de dezembro de 2005.
NOTAS
i Pois dizer
“anátema Jesus” seria dizer “nulo Jesus”, ou seja, nega sua existência
histórica.
1 Hodge p. 223.
Minha Tradução.
2 Hodge p. 223.
Minha Tradução.
3 Hodge p. 226.
4 p. 227.
5 Idem.
6 O termo dynamei não se aplica, em todo o NT, a pessoas
que não sejam Jesus e o grupo dos apóstolos; fora esses dois, o dom era usado
somente pelos falsos profetas.
7 É importante
lembrar que a NVI consiste numa tradução com muitos problemas em outros
lugares.
8 Nos dois casos
onde o termo pneumati aparece
referindo-se ao espírito humano (I Co 14.14,32) vem acompanhado de pronome
possessivo (pneuma mou) adjunto
adnominal (pneumata profetou) que
distingue claramente o espírito humano do Espírito de Deus.
9 Tomemos como
exemplo a ARA, que insere o termo “OUTRAS línguas”, e algumas edições
corrigidas (Versão da Imprensa Bíblica) que acrescentam a expressão “LÍNGUAS
ESTRANHAS”, que não aparecem no texto grego. É possível que esses acréscimos
sejam feitos para descaracterizar as línguas como dialeto e torná-las como algo estranho ao homem.
10 Hodge, p. 230.
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